domingo, 16 de setembro de 2007

A Maldição do Campeão

Certa vez, eu e meu colega de cornetagem, Bruno, conversávamos sobre algumas das peculiaridades do futebol, vocês sabem, aquelas características que fazem do esporte bretão o mais belo, emocionante, poético e místico dentre todos os demais. Após vários argumentos, alusões e recordações, ambos chegamos a uma mesma conclusão: no mundo da bola, as leis estabelecidas pelas ciências não se aplicam de forma regular e previsível. Vejam, não estou dizendo que o futebol é totalmente sem nexo. Com efeito, as leis da lógica, da matemática e da física funcionam, como queria Kant, de forma necessária e universal durante a maior parte do tempo em que a bola rola. Contudo, existem alguns momentos, instantes de dimensão imensurável, durante os quais o futebol parece ser regido por algum tipo de deus do caos, que faz com que todas as supracitadas ciências falhem retumbantemente na tentativa de explicá-los racionalmente. Em tais momentos, temos a impressão de que os deuses sérios saem de férias e deixam o poder esférico nas mãos de uma espécie de Dioniso de chuteiras, ou de algum anjo decaído que possui os poderes de Hiro Nakamura. O fato é que a configuração espaço-temporal mostra-se totalmente distorcida e ainda não surgiu nenhum Einstein da bola que fosse capaz de explicar esses desvios.

Foram exatamente essas meditações cornetísticas que nos deram a idéia de criar a seção “Improbabilidades Infinitas”, um espaço onde nos propomos a relembrar e comentar os momentos e fatos mais estranhos, inacreditáveis e inexplicáveis do ludopédio. Nesta presente cornetagem, tratarei de uma coisa extremamente menosprezada por todos, ironizada pelos racionalistas de plantão, chamada de sobrenatural, fictícia, fruto de mentes delirantes. Não faltará quem me acuse de apreciador de filmes B tipo “Colheita Maldita” e das satânicas canções do Iron Maiden e afins. Mesmo assim, tenho de dizer que estou absolutamente convencido de que, pelo menos no terreno do futebol, ela existe e deve ser temida. Estou falando da maldição.

Ao procurarmos os exemplos e manifestações mais recentes de Lúcifer no mundo da bola, vamos parar direto na Europa, mais precisamente na UEFA. E este é um momento oportuno para falar sobre isso, uma vez que a nova temporada da Champions League, reduto mais badalado do momento para os corvos ludopédicos, está prestes a começar. A primeira pergunta que surge quando se inicia um certame é aquela de sempre: quem será o campeão? Liverpool, Chelsea, Manchester, Real Madrid, Barcelona, Internazionale? Muito difícil responder. Arriscar um palpite a essa altura é dar um tiro no escuro. Estou fora. Todavia, há algo que eu posso afirmar com segurança e sem medo de errar: o Milan NÃO será campeão.

Alguém logo perguntará: “Por quê? Existe uma razão que justifique essa afirmação temerária?”. Eu respondo: razão, razão mesmo não há. Contudo, existe sim e sem sombra de dúvidas... uma maldição: a “Maldição do Campeão”. Não é brincadeira, é fato: desde a temporada 1992/93, quando a antiga Copa dos Campeões da Europa passou a se chamar UEFA Champions League e a ter o presente formato, jamais um clube se sagrou bi-campeão. E mais: ao longo dessas quinze temporadas, apenas três campeões chegaram à final no ano seguinte ao título: Milan (94/95), Ájax (95/96) e Juventus (96/97). Fora isso, o melhor resultado de um campeão foi ter alcançado a semifinal: Borussia Dortmund (97/98) e Real Madrid (00/01 e 02/03). Os outros nove campeões caíram todos prematuramente.

E a coisa parece estar se agravando cada vez mais. No século 21, com exceção do Real Madrid, nenhum campeão chegou sequer à semifinal. O melhorzinho foi o Bayern que, em 01/02, chegou às quartas de final. Quanto aos outros,... uma tragédia pior que a outra.

Vejam só a história da temporada 03/04 e me digam se a coisa não ultrapassa os limites da razão. Nesse ano, a coisa foi tão feia que a maldição atingiu não apenas o atual campeão, como também o vencedor retrasado. O Real Madrid, que erguera a taça em 01/02, fazia uma boa campanha e chegou às quartas para enfrentar o inexpressivo Mônaco, cujos principais jogadores eram Morientes e Giuly (!!). Com Zidane, Figo e Ronaldo (em forma), o Real venceu a ida por 4x2, no Santiago Bernabeu. Fatura liquidada, certo? Diga isso para os corvos malditos. No jogo de volta, o time do principado fez 3x1, com direito a gol de letra do Giuly (!!!). Real eliminado pela regra dos gols marcados fora de casa.

Agora, se isso ocorreu com o campeão de dois anos antes, imaginem o que os corvos reservavam para o pobre Milan, ganhador do ano anterior. Os italianos, também nas quartas, pegaram o Deportivo La Coruña. Primeiro jogo, em San Siro: Milan 4x1. Festa rossonera: a vaga na semifinal estava garantida. Mas, no caminho havia uma... maldição. Carlo Ancelotti foi à Galícia crente de que bastava administrar o jogo. E que bela administração! No intervalo, o Deportivo já enfiava 3x0, placar suficiente para lhe garantir a classificação. Ainda assim, na segunda etapa, Fran teve tempo para decretar os 4x0. As semifinais do torneio foram: Chelsea x Mônaco e La Coruña x Porto. Estes foram os primeiros indícios de que 2004 se configurava como o ano da zebra no calendário ludopédico, o que foi confirmado logo em seguida com a conquista da Libertadores pelo Once Caldas e da Eurocopa pela Grécia. Ah, já estava me esquecendo: na final, o Porto bateu o Mônaco por 3x0. Um dos gols foi de... Carlos Alberto! (Sim, ele mesmo, do Corinthians, do Fluminense,...).

Chegamos então à temporada 04/05. O Porto quase caiu na primeira fase (o que seria inédito para um campeão). Uma vitória na bacia das almas contra o Chelsea evitou o pior. Mas nas oitavas não teve jeito: maldição. Na ida, em casa, 1x1 contra a Inter. Na volta, no Giuseppe Meazza (afinal, San Siro é o campo do Milan), 3x1 para os italianos.

Em 05/06, o Liverpool defendia o título, após consumar uma das maiores improbabilidades infinitas da história. Na final do ano anterior, foi para o intervalo tomando de 3x0 do Milan. No segundo tempo, o milagre: 3x3, seguido da vitória nos pênaltis, com Dudek no gol (ah, é uma improbabilidade mais infinita que a outra). Entretanto, no ano seguinte, isso já fazia parte do passado e os Reds tinham um adversário mais poderoso do que o Milan ou qualquer outro grande clube. Na primeira fase, tudo até que ia bem: Rafa Benítez cantou Don’t Let Me Down para os corvos e seu time terminou em primeiro lugar num grupo que tinha o Chelsea. Nas oitavas, encararia o inofensivo Benfica. Inofensivo em situações normais, mas desta vez os portugueses tinham o Sobrenatural de Almeida como seu fiel escudeiro. Resultado: duas derrotas dos Reds, sem marcar nenhum gol, incluindo um 2x0 em pleno Anfield Road. Essa temporada acabou por consagrar o Barcelona e mais uma improbabilidade infinita: na final, 2x1 sobre o Arsenal, de virada. Quem fez o gol do título? Sim, ele mesmo... BELLETTI.

A temporada 06/07 pintava como a grande chance de se pôr fim às lucubrações satânicas que vinham assombrando a liga há tantos anos e mandar os corvos de volta às profundezas do limbo. Afinal, o Barça, um império de tradição ludopédica, dono de um verdadeiro timaço, parecia ser à prova de maldições. “Més que un club!”, bradam os catalães. “Més que una maldición!”, bradaram os corvos. A tragédia blau-graná já começou no sorteio: um grupo com Chelsea, bi-campeão inglês, e Werder Bremen, vice alemão. E tudo ficou realmente complicado após as batalhas (literalmente) contra os Blues. A derrota em Standford Bridge e o cruel 2x2 no Camp Nou, com aquele gol do Drogba aos 45 da etapa final, colocaram o Barça em terceiro lugar. Só que aí, os corvos resolveram dar uma breve trégua. Os catalães passaram para o mata-mata, graças aos 2x0 sobre o Bremen, com gol de Gudjohnsen e tudo (ah, essas improbabilidades não acabam mais). Mas então veio o Liverpool e a maldição deu as caras de novo. Derrota por 2x1 de virada, em pleno Camp Nou, com gol de pé direito do Riise (!!). Na volta, o Barça foi bravo e venceu por 1x0, gol de... pois é, Gudjohnsen. Inútil: os gols fora de casa foram fatais.

Resumo da ópera: os tifosi milanistas podem ir colocando as barbinhas de molho. A festa, após a vingança contra o Liverpool, foi boa enquanto durou. Agora, a nova temporada promete ser negra, pelo menos no que se refere à Champions League. A primeira fase até que deve ser tranqüila, contra Benfica, Celtic e o poderosíssimo Shakhtar Donetski. Mas depois é que eu quero ver. Se o Milan cair nas oitavas, alguém ainda duvidará dos poderes sinistros que rondam os gramados europeus? E não adianta matar os corvos. Satanás ludopédico enviará outras aves agourentas para nos assombrar. A Maldição do Campeão é real.

6 comentários:

Denis Barbosa Cacique disse...

Ô César, você usou o bem narrado conto da maldição para demonstrar que "no mundo da bola, as leis estabelecidas pelas ciências não se aplicam de forma regular e previsível". Contudo, você conseguiu apresentar a história das maldições com tanta regularidade e necessidade, que acabou provando justamente o oposto do que supunha.

Fora isso, eu notei que você é muito bom pra essa coisa de contar histórias, apresentar detalhes e estatísticas. Você não acha que seria o caso de criarmos uma categoria pra esse tipo de coisa? Algo do tipo "corneterismo histórico" (pra brincar com o "materialismo histórico")? Bem, foi só uma idéia.

Nesse fim de semana negligenciei um pouco mais os estudos pra começar a elaboração do texto do Garrincha. Espero em breve poder postá-lo aqui.

Abraço,

César Zambon disse...

Ah Denis, tenha certeza de que os dueses (principalmente os ludopédicos) irão te perdoar por ter negligenciado os estudos. Não sei os detalhes sobre esse seu texto, mas dependendo de como for, ele, como diria o Bruno, "poderia vir a estar inaugurando" essa nova seção q vc sugeriu.

E eu sei que o meu argumento central é mesmo auto-contraditório: se a lógica da maldição é verdadeira, então existe uma lógica infalível no futebol. Mas não tem problema, porque essa lógica, assim como as ciências, é verdadeira apenas até que se prove o contrário. Se o Milan for campeão, acabou. E quando eu disse ter certeza que o Milan não será campeão, isso foi obviamente um exageiro retórico.

Ah, antes q eu me esqueça: parabéns pelo título do oráculo! A chance de vc perder é mesma do São Paulo perder o título brasileiro. E não me venha com aquela do Muricy de que "ainda faltam tantos jogos e bla bla bla".

Denis Barbosa Cacique disse...

César, nada de empolgação, porque "ainda faltam tantos jogos"...

Brunão disse...

Bom, deixa eu dar meu pitaco antes que mudem o nome para os dois corneteiros...rss... eu ando meio ocupado... (serião).. mas, prometo q escrevo qq coisa qdo aliviar a barra...rsss..

César, só uma nota rossonero(a) é td junto.. sem hífen...rss.. e eu tbm garanto que a Internazionale não vai ser campeã... pq ela não tem passaporte...rssss

Bom, César como saída picareta vc pode dizer que utilizou uma meta-lógica (uma lógica sobre lógicas, logo seu argumento central não está errado). Ou, pode dizer q a maldição é dialética...rss.

Mto bom texto!

Denis Barbosa Cacique disse...

Bruno, "maldição dialética" seria perfeito. Mais ainda pq o texto é um "corneterialismo histórico". Aí o César pode até dizer q fez uma crítica dialética imanente, e diz também q é o "in+manere", do latim, de "permanecer dentro".

É sempre possível sair por cima.

O mundo da filosofia, bem como o do futebol, é mesmo uma zona.

César Zambon disse...

Cara, olha o q 6 tão falando. Eu escrevi puta texto zoeira sobre maldição e daqui a pouco vou ter q fazer um tratado sobre isso...