domingo, 29 de julho de 2007

Full House


Após os retumbantes fracassos dos galácticos no Real Madrid e do quarteto trágico da seleção na Copa do Mundo, uma conclusão que sempre fora óbvia para quem entende de futebol passou a ser um consenso geral: não é possível montar um time baseado apenas em grandes jogadores de ataque, sem que se tenha alguém (ou alguns) para fazer o “trabalho sujo” lá atrás. O Real aprendeu a lição: livrou-se de todos seus “craques” trintões e passou a contratar jogadores jovens e não tão famosos (Robinho, Marcelo, Gago, Higuain), conforme a carência de cada posição, e até alguns brucutus (Emerson e Diarra). Na seleção, Dunga instaurou a República dos Volantes e foi campeão. Chelsea, Liverpool e Milan consagram a cada temporada que passa o futebol de resultados, com elencos de trabalhadores, sem grandes celebridades.

Contudo, o Barcelona parece estar caminhando na contramão. Justamente o Barcelona, que nas últimas temporadas deu uma aula de como se contrata. De fato, o clube catalão mostrou que vale mais a pena comprar jogadores não tão valorizados no mercado e transformá-los em estrelas dentro de casa, ao invés de comprar estrelas prontas e caras (quem eram Ronaldinho, Deco, Eto’o e Messi antes de chegarem ao Barça?). Entretanto, a recente contratação de Thierry Henry parece sinalizar para a adoção de uma nova política. Nada contra Henry, muito pelo contrário: considero-o um dos melhores jogadores deste século. Mas a pergunta que surge é a seguinte: será que o Barcelona precisava de mais um atacante?

Precisasse ou não, o fato é que Frank Rijkaard terá um quarteto, ou melhor, um quinteto ofensivo à sua disposição: três jogadores com características de camisa dez (Deco, Ronaldinho e Messi) e dois noves (Eto’o e Henry). Agora, a pergunta passa a ser: como será possível escalar todos juntos? Ou melhor, há uma pergunta ainda anterior a essa: será possível escalar todos juntos? Se Rijkaard seguir o princípio parreiriano de fazer qualquer coisa para acomodar todos os craques em campo (e que se dane o esquema), o Barça terá mais ou menos a seguinte formação:


Essa escalação é um absoluto suicídio tático. Mesmo que se substitua Xavi por um cabeça-de-área de ofício (Yaya Touré ou até o brucutu Edmílson), esse coitado terá, sozinho, a incumbência de cobrir os dois laterais, proteger a zaga e ainda dar o primeiro combate no meio. Deco até pode dar uma ajudazinha, mas ainda assim seria muito pouco. O fato é que nenhum dos quatro da frente participará da marcação, pois isso é totalmente contrário às suas características. A defesa ficará mais vulnerável do que já foi nessa última temporada e o pobre Thuram, com 35 carnavais nas costas, e o maluco Puyol, com sua cabeleira de Maria Betânia, ficarão toda hora no mano a mano com os atacantes adversários.

Não é preciso nem dizer mais nada. É óbvio que um deles terá de sair,... mas quem? Ronaldinho, a estrela maior? Claro que não. Eto’o, o artilheiro? Incogitável. Messi, melhor do time na temporada passada? Nem pensar. Henry, a nova contratação? De jeito nenhum. Sobraria, evidentemente, para Deco. Entretanto, mesmo com a entrada de mais um volante no lugar do luso-brasileiro, o problema tático não seria resolvido.




Futebolisticamente, embora eu não seja um nazista (defensor dos quatro volantes ou de suas variações), estou ainda mais distante da extrema esquerda (partidários do joga-e-deixa-jogar). Sou, digamos, de centro-direita. Assim sendo, também não posso ficar satisfeito com a formação acima. Repito: os quatro da frente nunca na vida conjugaram o verbo “marcar” e os dois volantes teriam de carregar o piano sozinhos.

A única saída para que a defesa não ficasse exposta seria ordenar que Zambrotta e Abidal jamais passassem do meio campo e formassem com os dois beques uma linha de quatro zagueiros, literalmente. Assim, mesmo quando fosse contra-atacado, o Barcelona se defenderia com no mínimo cinco jogadores. Isso não seria nenhum sacrifício para esses laterais, uma vez que eles são essencialmente marcadores. Contudo, os efeitos colaterais atingiriam justamente o ataque. Com efeito, Ronaldinho é, nesse esquema, um meia centralizado; Eto’o e Henry são atacantes que gostam de jogar no meio dos zagueiros, perto do gol; e Messi, sempre que pega a bola nos lados do campo, parte em diagonal rumo à meia-lua, nunca verticalmente em direção à ponta. Resumindo: o time ficaria todo embolado pelo meio. E não adiantaria alguém cair pela ponta, pois os laterais teriam receio de subir para apoiar o ataque. E mesmo revezando a subida dos laterais (princípio básico do futebol), ficaria um flanco aberto para o contra ataque, sempre que um dos volantes estivesse na frente. Quantos gols o Barça já não tomou com o Van Bronckhorst ou o Belletti tentando desesperadamente, junto com os dois zagueiros, salvar a pátria lá atrás, só os três contra a rapa? (lembra do gol do Adriano Gabiru? Lembra do gol do Riise, do Liverpool?).

Há ainda outra opção tática para escalar esses mesmos jogadores, embora, na minha modestíssima opinião, ela também seja inviável. Para dar certo, seria preciso transformar Eto’o e Messi em pontas que atacam e defendem e repetir assim o esquema da França na última Copa do Mundo:


Essa formação é, na teoria, ultra-ofensiva: um armador que não marca (Zidane), dois atacantes pelas pontas (Malouda e Ribery) e o centroavante. Na prática, todavia, Raymond Domenech armou um verdadeiro ferrolho. Isso ocorreu porque os dois pontas, sendo muito velozes e donos de um extraordinário preparo físico, eram capazes de compor o meio campo toda vez que a França era atacada. Com isso, formavam com Vieira e Makelele uma linha de quatro no meio. Sim, quando atacada, a França se defendia com as famigeradas duas linhas de quatro. Quando o time retomava a bola, porém, Malouda e Ribery se mandavam para frente, para auxiliar Henry no ataque. Resultado: a defesa era fortíssima e o contra-ataque perigoso.

Contudo, quando pintamos esse mesmo quadro com as cores azul e grená, as peças não se encaixam. Henry é Henry e Ronaldinho faria a função de Zidane. Até aí tudo bem. Mas e os pontas? Eto’o e Messi são atacantes natos, muito técnicos, que jogam para frente, buscando o gol a todo instante. Muito improvável, para não dizer impossível, que Rijkaard conseguisse ensinar os dois a cumprir a função tática (defensiva) dos pontas franceses.

Se Eto’o for vendido para o Milan nos próximos dias, o que é muito improvável, o esquema continua o mesmo dos anos anteriores: um cabeça-de-área fixo (Yaya ou Edmílson), dois meias-volantes pelos lados (Xavi e Deco), Ronaldinho na esquerda, Messi na direita e Henry de centroavante. Caso contrário, haverá um grande problema.

Acho que Rijkaard terá de continuar apostando com sua trinca e deixar a quadra e o “full house” apenas para situações emergenciais ou para jogos muito fáceis*. Posso estar errado, mas se tudo que eu disse for bobagem, pelo menos estarei bem acompanhado: “São quatro jogadores para três posições”. Palavras de Johan Cruyff. De qualquer modo, tenho certeza de que Rijkaard, um esquerdista incorrigível, cairá na tentação de escalar todos juntos. Como ele fará isso? Não perguntem para mim... nem para Cruyff.

*Em alguns (poucos) jogos da última temporada, o Manchester United entrou em campo com dois volantes (Carrick e Scholes – esse último era o armador e avançava muito), dois meias ofensivos pelos lados (Cristiano Ronaldo e Giggs) e mais dois atacantes (Rooney e mais um – Saha, Solskjaer ou Larsson). Contudo, Alex Ferguson só teve a ousadia de escalar essa equipe contra times pequenos no Campeonato Inglês. Contra os grandes e na Champions League, ele sacou um dos atacantes (Saha, Solskjaer ou Larsson) e colocou mais um volante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tô de volta!
É, as situações de Rijkaard e Alex Ferguson são mesmo de dar dó. Deve ser terrível contar com Tevez, Cristiano Ronaldo, Saha, Gigs e Roney no mesmo time, ou então com Deco, R. Gaúcho, Henry e Eto'o.
Bom mesmo é contar com Richarlyson, Edcarlos, Aloísio, Borges e Hugo!
hehehe

César Zambon disse...

Tô falando: ter muitos craques juntos é quase tão problemático quanto não ter nenhum. Esse negócio de "disputa positiva", "problema que todo técnico queria ter" é conversa fiada. Os caras ficam com ciuminho um do outro, não se encaixam... é um desastre.
Por isso eu digo que um grande time se monta com: goleiro, 3 grossos (aqueles do Bruno),2 medianos, 4 entre bons e ótimos e 1 craque.