sábado, 4 de agosto de 2007

Febre de Bola



Ontem, assisti ao jogo do São Paulo em um bar. Um bar é um excelente lugar para se assistir a um jogo do seu time especialmente se o dono do bar é um torcedor do seu time. Contudo, é um péssimo lugar para se assistir a um jogo pela autópsia. Isso se deve, obviamente, a quantidade de ruído, conversas, cornetagens e desatenção e não a quantidade de álcool ingerida. Caso contrário, não conseguiria escrever autópsia de jogo algum...

Então, alterei radicalmente o meu projeto de texto e vou fazer uma pequena indicação literária:

A coisa está lá dentro o tempo todo, procurando um jeito de sair.

Acordo por volta de 10 horas, faço duas xícaras de chá, trago-as para o quarto e coloco uma de cada lado da cama. Ficamos bebericando pensativamente; logo depois de acordar há uns intervalos longos e sonhadores entre nossos comentários ocasionais – sobre a chuva lá fora, sobre a noite anterior, sobre fumar no quarto e minha promessa de parar de fazer isso. Ela pergunta o que vou fazer essa semana, e eu penso: 1) Vou me encontrar com Matthew na quarta-feira. 2) Matthew ainda está com o meu vídeo de Os campeões. 3 [Ao me lembrar de que Matthew, um torcedor puramente nominal do Arsenal, não vai a Highbury há dois anos e por isso não pôde observar as aquisições mais recentes em carne e osso.] Eu fico imaginando o que ele achou de Anders Limpar.

E em três estágios simples, 15 ou 20 minutos depois de acordar, já começo a viajar. Vejo Limpar correndo em direção a Gillespie, desviando para a direita e caindo: PÊNALTI! DIXON MARCA! 2 a 0! ... O toque de calcanhar de Merson e o chute de pé direito de Smith entrando no canto oposto, ainda na mesma partida... Merson dando um pequeno empurrão na bola e desviando-a de Grobbelaar, lá em Anfield... O giro e a bomba de Davis contra o Villa... (E isso, lembrem-se, é uma manhã de julho, nosso mês de folga, quando os clubes de futebol estão de férias.) Ás vezes, quando deixo que este estado sonhador tome conta de mim completamente, vou recuando cada vez mais, passando por Anfield em 1989, Wembley em 1987, Stamford Bridge em 1978, com toda a minha vida futebolística passando num clarão diante dos meus olhos.

-No que você está pensando? – pergunta ela.

A essa altura eu minto. Não estava pensando nem um pouco em Martin Amis, em Gerard Depardieu ou no Partido Trabalhista. Mas é que nós, obsessivos, não temos escolha; temos de mentir em ocasiões como essa. Se disséssemos a verdade todas as vezes, seríamos incapazes de manter um relacionamento com qualquer pessoa do mundo real. Apodreceríamos sozinhos com nossos programas do Arsenal, nossas coleções de discos de rótulo azul originais da Stax ou nossos spaniels Rei Charles, enquanto nossos devaneios de dois minutos se alongavam; aí perderíamos nossos empregos e pararíamos de tomar banho, fazer a barba e comer; acabaríamos deitados no chão em meio à nossa própria imundície, voltando a fita sem parar na tentativa de decorar todos os comentários, inclusive a análise profissional de David Pleat, sobre a noite de 26 de maio de 1989. (Vocês acham que eu tive de verificar essa data? Ah!) A verdade é a seguinte: durante trechos alarmantemente grandes de um dia normal, sou um retardado.

Poucas pessoas entendem mais sobre a alma masculina e suas obsessões que Nick Hornby. Esse foi o único livro de sua trilogia masculina (Febre de Bola, Alta Fidelidade e Um Grande Garoto) que li. Infelizmente, dos outros pude conferir apenas as adaptações cinematográficas. Mas, isso já foi mais do que suficiente para me identificar e para reconhecer o incrível conhecimento de Hornby sobre a alma masculina.

Neste livro, Hornby decidiu contar a história da sua vida por meio dos jogos do Arsenal. Usando os jogos de seu time do coração como um gancho para sua memória, Hornby nos conta sobre seu complicado relacionamento com o pai, sobre seus amores, sobre sua ida a faculdade, seus empregos, etc. Tal estratégia narrativa funciona muito bem justamente por não ser uma estratégia narrativa, como admite, não sem um pouco de vergonha, o fanático “Gunner”: é assim que sua memória funciona!

Febre de bola não é um livro científico, nem jornalístico. Não é um estudo sobre ser um torcedor. É simplesmente a historia de um torcedor contada para outros torcedores. E isso o torna único. Não apenas para nos identificarmos com o livro, mas também para percebemos o incrível poder do futebol de igualar e unir na mesma paixão os calorosos brasileiros e os fleumáticos ingleses. Ou seja, no fundo torcedor é torcedor. Só muda o time.

Uma sugestão final: após ler o livro, indique-o à sua mulher. Talvez assim, ela finalmente entenda como você se sente quando ela interrompe o jogo de seu time do coração para mandá-lo lavar a louça ou discutir a relação...


P.S: Justiça seja feita. Nem todas as mulheres são assim. Juliana, minha namorada, entende a magia do esporte bretão. E foi ela quem me deu Febre de bola de presente. Com o objetivo de, nas palavras dela, “unir minhas duas paixões: leitura e futebol”. No que ela se enganou, pois, ao fazê-lo, estava unindo minhas três paixões...


Bruno (que tem sua vida atrapalhada não só pelo futebol. Mas também, pelos quadrinhos, filmes, seriados, livros e RPG...)

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu vi o filme baseado no livro e adorei! Eu entendo o sentimendo d vcs homens, pq partilho dele tb. 'Febre de Bola' vale muito a pena pra kem curte ler e futebol. Prato cheio. Eh bem legal mesmo!
Obrigada, Brunão, por ter reconhecido q eu não sou igual a maioria das mulheres q naum entendem o amor pelo futebol. E pela correção q vc me fez, amei!

César Zambon disse...

Infelizmente não adianta nada indicar esse livro para as mulheres. Elas podem até entender "grosso modo" o que se passa na cabeça de um apaixonado pelo futebol, mas elas jamais aceitarão ou absorverão isso
Todos (menos o Bruno, que é o único cara que eu conheço cuja mulher gosta de futebol) continuaremos sendo retardados durante trechos alarmantemente grandes de um dia normal.

Denis Barbosa Cacique disse...

Que desalmada mulher manda seu homem lavar os pratos durante o jogo de futebol do seu time do coração? E que covarde homem deixa-se guiar pelas absurdas deliberações de uma tal mulher?

Brunão, assim vc me queima!

E parabéns pelo agrado q vc fez pra sua senhora. Bonitinho e criativo! hehehe

Ah, ainda falta ver os videos q vc recomendou no outro post.

Meu, a vida tá muito corrida.

Pra escrever o texto q postei eu tive q matar meio dia de trabalho... e q ninguém fique sabendo disso!

Abraços