Os portenhos saíram perdendo, mas reagiram logo em seguida com um gol de Crespo (aliás, um gol puramente crespiano). A partir daí, o domínio argentino foi absoluto, embora eles não conseguissem criar muitas chances de gol. De qualquer modo, percebia-se nitidamente que Riquelme, Verón, Cambiasso e Mascherano dominavam o meio campo e a única coisa que faltava era um pouco mais de incisão na chegada ao ataque. Incisão que apareceu no segundo tempo junto com Messi, que saiu das trevas e deixou Crespo de frente para o crime. O artilheiro aproveitou e marcou mais um gol típico dos grandes ruins-que-fazem-gol. Em seguida, veio o terceiro gol, uma obra de arte: jogada de pura técnica de uma equipe que prima pela coletividade. Depois, Riquelme ainda deu um presente para Tévez definir os 4x1. Mas é naquele terceiro gol que eu irei me deter um pouco mais.
Ao longo do jogo, eu ficava pensando em uma coisa que acabou por ser corroborada por esse terceiro gol. Cheguei, de fato, à seguinte conclusão: a Argentina joga como um time. Uma observação que parece óbvia e idiota, mas que na verdade não o é, considerando-se uma outra que me ocorrera já antes desse jogo começar: eu nunca vi a seleção brasileira jogar como um time. E não vou nem falar sobre a seleção da CBF e do fantoche Dunga. Falo de todas as seleções brasileiras dos últimos dezessete ou dezoito anos.
A última que jogou de forma convincente foi aquela da copa de 1994. Com efeito, o time de Parreira, embora fosse um horror de se ver, efetivamente jogava como uma equipe. E isso é importante para explicitar o que eu quero dizer aqui: jogar bem, na minha concepção, não é dar espetáculo, resgatar o futebol arte etc. Jogar bem é ter um esquema tático definido que faça com que os jogares atuem no limite da sua capacidade individual e coletiva. Isso é “jogar como um time”, o que, por sua vez, é um sinônimo de “jogar bem”. E é exatamente isso que a Argentina realiza sempre e o Brasil nunca.
O Brasil, desde que eu comecei a ver futebol, ganha jogos na base da marra e/ou da individualidade de algum craque que, de vez em quando, tem lampejos geniais. E isso inclui a tão louvada seleção de Felipão de 2002. Na minha opinião, aquele time de bem montado não tinha nada. O Brasil foi seguindo em frente graças a muita dedicação, ajudas de arbitragem (ah, o gol anulado de Wilmots, da Bélgica) e, principalmente, graças a uma sorte sobrenatural. Foi passando por adversários péssimos e acabou ganhando aquela copa medíocre (não se esqueçam que a pior Alemanha de todos os tempos chegou à final, a Turquia ficou em terceiro e a Coréia em quarto).
Depois daquela Copa, a coisa ficou ainda pior. O time de Felipão, bem ou mal, conseguia pelo menos se impor e ganhar os jogos. De lá para cá, nem isso. Hoje, qualquer um ganha do Brasil: basta ter um time que saiba congestionar o meio de campo, armar contra-ataques razoáveis e que tenha um bom cabeceador para as bolas levantadas (sorte que o Borghetti não veio).
Mas vamos voltar àquela história de jogar como time. A incompetência das seleções brasileiras recentes em mostrar um futebol minimamente coletivo reflete-se nos próprios gols que o Brasil costuma marcar. Os tentos são sempre frutos de jogadas individuais, bobagens da defesa adversária e bolas paradas. O único gol coletivamente belo de que eu me lembro foi aquele dos 4x1 sobre a própria Argentina, na Copa das Confederações: um oásis em um deserto de mediocridade.
Falando em Argentina, voltemos a ela. Tudo bem, o time americano é muito frágil, veio desfalcado etc, etc. E a Argentina, apesar da goleada, nem de longe apresentou um futebol exuberante. Mas acontece que o Brasil também já enfrentou adversários muito piores do que o time dos EUA e nunca jogou absolutamente nada. Os portenhos, pelo contrário, podem até perder o campeonato, mas sempre apresentam um futebol que ao menos deixa seus torcedores com o consolo de que a seleção fez o melhor que podia. E o melhor que eles podem fazer, e efetivamente fazem, é jogar como equipe. Aquele terceiro gol mostrou muito bem isso: a bola partiu da defesa e foi passando de pé em pé até chegar a Verón. Este, mostrando-se ainda um excelente “knocking on heaven’s door”, abriu na esquerda para Crespo, que tocou na ultrapassagem para Heinze. O lateral cruzou e Aimar veio de trás para dar uma cabeçada fulminante e colocar nas redes. Esse foi, por excelência, um “gol de time” . E não foi um oásis no deserto, uma vez que sempre vemos os hermanos anotarem esse tipo de tento. Quando a bola balançou as redes, eu até me levantei do sofá, quase que comemorando, numa espécie de reconhecimento (e com uma pequena dose de inveja) a um time que joga como time e a um gol que o Brasil não faz.
César Eduardo Zambon escreveu aqui seu primeiro texto sério desde que começou a postar nesse blog.