Suponho, amantes do ludopédio, que várias vezes já parastes para refletir sobre aquele centroavante grosso, grandalhão, estabanado, que não consegue dominar uma bola sequer, que não é capaz de dar um passe sem que a esfera rodopie quadradamente pelo gramado, aquele centroavante que, apesar de tudo isso... faz gols a dar com um pau. Sim, estou falando desta tão afamada e controversa criatura ludopédica, cujo primeiro espécime foi descoberto no final da década de 60 e ficou conhecido pelo codinome "Dadá Maravilha". Contudo, o primeiro exemplar estudado mais a fundo pelos cientistas da bola apareceu em meados dos anos 70 e foi classificado pelos biólogos podo-esféricos como pertencente à espécie Serginhus do subgênero Chulapae.
Desde então, inúmeras variantes surgiram e, embora os Chulapae mais recentes não tenham vingado como o pioneiro, outros gêneros tornaram-se conhecidos do público e foram englobados sob uma mesma denominação de origem vulgar: RUIM-QUE-FAZ-GOL. Todos eles puderam ser classificados como integrantes de uma mesma categoria devido à característica marcante assinalada por mim no início deste solene papo-furado. Uma característica realmente notável pelo fato de circunscrever sob a lista de atributos destes seres predicados claramente opostos e até mesmos contraditórios. Com efeito, o que congrega todos os RUINS-QUE-FAZEM-GOL dentro de uma mesma classe é a sua capacidade, constituída na base de um poder completamente inexplicável, oculto, quase místico, de realizar o feito máximo do futebol com incontestável eficácia e impressionante freqüência, ao mesmo tempo em que apresentam uma total inépcia físico-motora para a prática desse desporto.
O que mais chama a atenção, todavia, é o fato de que os RUINS-QUE-FAZEM-GOL não apenas ajudaram bastante suas equipes ao longo da história, como, além disso, configuraram-se muitas vezes como os heróis maiorais do espetáculo. Lembrai-vos, por exemplo, daquele personagem de memória trágica para os habitantes da Terra Prometida do ludopédio: Paolo Rossi, que, com o sobrenatural auxílio de sua canela apurada, foi santificado pelo povo itálico como semi-deus do tri mundial, após praticar verdadeiras carnificinas contra o esquadrão tupiniquim e contra o bárbaro exército germânico.
Entretanto, apesar de tantos grandes feitos, essa entidade futebolística sempre esteve longe de alcançar a unanimidade, seja entre os profissionais do comentário esportivo, seja entre os seguidores desinteressados. Pelo contrário, o RUIM-QUE-FAZ-GOL é alvo de interminável polêmica, especialmente nos dias de hoje, em que a habilidade técnica e a inventividade cada vez mais dão lugar à eficiência fria e ao pragmatismo. De fato, o RUIM-QUE-FAZ-GOL, por tudo que já foi dito, mostra-se como uma espécie de patinho-feio para os amantes do futebol romântico: um jogador que só é jogador porque o futebol exige resultados e que seria imediatamente banido, caso o esporte retornasse ao seu período lúdico e artístico.
Contudo, o que me leva a pensar que esse tema alça uma polêmica ainda maior do que o eterno bate-boca entre amantes do jogo romântico e defensores do futebol de resultados, é o fato de que, mesmo entre os integrantes do segundo grupo, o RUIM-QUE-FAZ-GOL gera atrito e nem de longe pode ser visto como uma unanimidade. Arrisco-me até a dizer que atualmente o RUIM-QUE-FAZ-GOL é o ser mais intrigante dentre todos os outros do mundo da bola.
Não nego, obviamente, que outras criaturas ludopédicas, conhecidas desde o passado mais remoto, continuam sendo até hoje extremamente fascinantes, embora parcamente compreendidas e estudadas. Cito como exemplos: o BEQUE-DE-FAZENDA; o GOLEIRO-OITO-OU-OITENTA (o arqueiro que nunca passa despercebido: ora faz milagres antológicos, ora lambanças monumentais); e o TALISMÃ (aquele jogador, normalmente um baixinho veloz, que mata a pau e arrebenta com o jogo quando sai do banco no segundo tempo, mas que não faz absolutamente nada quando começa como titular). Ainda assim, penso que o RUIM-QUE-FAZ-GOL é uma figura incomparavelmente controversa por dois motivos, que estão interconectados entre si. Primeiro: o questionamento feito a esse jogador pelos que o atacam diz respeito à sua própria legitimidade como jogador de futebol: põe-se em dúvida se ele deveria mesmo ser aceito por times profissionais. Segundo: os que o defendem não apenas respondem que ele deve ser aceito, como ainda o alçam à condição de jogador fundamental.
Deste modo, notamos que a questão é posta como uma dicotomia radical: o RUIM-QUE-FAZ-GOL é indispensável ou deveria ser simplesmente abolido? De fato, quando se trata do RUIM-QUE-FAZ-GOL, não há simples afeição, simpatia, aversão, desagrado, e muito menos indiferença. Trata-se de amor ou ódio. Os dois partidos são visíveis e claramente antagônicos. Os defensores do RUIM-QUE-FAZ-GOL atribuem a ele a condição de jogador fundamental, cujos serviços são primordiais para que uma equipe obtenha sucesso. Afinal, ele é um mestre em realizar o summum bonum futebolístico. Seus detratores, por outro lado, afirmam que tal jogador é um peso morto, um fardo que o resto do time é obrigado a carregar; afirmam ainda que até mesmo as progenitoras dos nossos pais fariam aqueles gols de canela dentro da pequena área; afirmam, além disso, que esses jogadores são parasitas, sanguessugas que roubam toda a energia da equipe e a convertem em beneficio próprio, a fim de realizarem os tentos que irão promovê-los.
O problema, portanto, é posto em termos extremamente conflitantes. O que devemos fazer com os nossos Crespos, Inzaghis, Van Nistelrooys, Kloses e Palermos? Devemos alçá-los ao topo da teocracia futebolística, cobri-los de louros, pagar a eles os melhores salários e louvá-los como realizadores natos da obra suprema do deus Ludopédio? Ou devemos condená-los ao eterno ostracismo e deportá-los para as lúgubres relvas varzeanas e para as arenosas canchas dos ébrios embates dominicais entre casados e solteiros? Ou será possível encontrar uma terceira via moderada? O fato é que não podemos ser indiferentes a eles.
César Eduardo Zambon
Desde então, inúmeras variantes surgiram e, embora os Chulapae mais recentes não tenham vingado como o pioneiro, outros gêneros tornaram-se conhecidos do público e foram englobados sob uma mesma denominação de origem vulgar: RUIM-QUE-FAZ-GOL. Todos eles puderam ser classificados como integrantes de uma mesma categoria devido à característica marcante assinalada por mim no início deste solene papo-furado. Uma característica realmente notável pelo fato de circunscrever sob a lista de atributos destes seres predicados claramente opostos e até mesmos contraditórios. Com efeito, o que congrega todos os RUINS-QUE-FAZEM-GOL dentro de uma mesma classe é a sua capacidade, constituída na base de um poder completamente inexplicável, oculto, quase místico, de realizar o feito máximo do futebol com incontestável eficácia e impressionante freqüência, ao mesmo tempo em que apresentam uma total inépcia físico-motora para a prática desse desporto.
O que mais chama a atenção, todavia, é o fato de que os RUINS-QUE-FAZEM-GOL não apenas ajudaram bastante suas equipes ao longo da história, como, além disso, configuraram-se muitas vezes como os heróis maiorais do espetáculo. Lembrai-vos, por exemplo, daquele personagem de memória trágica para os habitantes da Terra Prometida do ludopédio: Paolo Rossi, que, com o sobrenatural auxílio de sua canela apurada, foi santificado pelo povo itálico como semi-deus do tri mundial, após praticar verdadeiras carnificinas contra o esquadrão tupiniquim e contra o bárbaro exército germânico.
Entretanto, apesar de tantos grandes feitos, essa entidade futebolística sempre esteve longe de alcançar a unanimidade, seja entre os profissionais do comentário esportivo, seja entre os seguidores desinteressados. Pelo contrário, o RUIM-QUE-FAZ-GOL é alvo de interminável polêmica, especialmente nos dias de hoje, em que a habilidade técnica e a inventividade cada vez mais dão lugar à eficiência fria e ao pragmatismo. De fato, o RUIM-QUE-FAZ-GOL, por tudo que já foi dito, mostra-se como uma espécie de patinho-feio para os amantes do futebol romântico: um jogador que só é jogador porque o futebol exige resultados e que seria imediatamente banido, caso o esporte retornasse ao seu período lúdico e artístico.
Contudo, o que me leva a pensar que esse tema alça uma polêmica ainda maior do que o eterno bate-boca entre amantes do jogo romântico e defensores do futebol de resultados, é o fato de que, mesmo entre os integrantes do segundo grupo, o RUIM-QUE-FAZ-GOL gera atrito e nem de longe pode ser visto como uma unanimidade. Arrisco-me até a dizer que atualmente o RUIM-QUE-FAZ-GOL é o ser mais intrigante dentre todos os outros do mundo da bola.
Não nego, obviamente, que outras criaturas ludopédicas, conhecidas desde o passado mais remoto, continuam sendo até hoje extremamente fascinantes, embora parcamente compreendidas e estudadas. Cito como exemplos: o BEQUE-DE-FAZENDA; o GOLEIRO-OITO-OU-OITENTA (o arqueiro que nunca passa despercebido: ora faz milagres antológicos, ora lambanças monumentais); e o TALISMÃ (aquele jogador, normalmente um baixinho veloz, que mata a pau e arrebenta com o jogo quando sai do banco no segundo tempo, mas que não faz absolutamente nada quando começa como titular). Ainda assim, penso que o RUIM-QUE-FAZ-GOL é uma figura incomparavelmente controversa por dois motivos, que estão interconectados entre si. Primeiro: o questionamento feito a esse jogador pelos que o atacam diz respeito à sua própria legitimidade como jogador de futebol: põe-se em dúvida se ele deveria mesmo ser aceito por times profissionais. Segundo: os que o defendem não apenas respondem que ele deve ser aceito, como ainda o alçam à condição de jogador fundamental.
Deste modo, notamos que a questão é posta como uma dicotomia radical: o RUIM-QUE-FAZ-GOL é indispensável ou deveria ser simplesmente abolido? De fato, quando se trata do RUIM-QUE-FAZ-GOL, não há simples afeição, simpatia, aversão, desagrado, e muito menos indiferença. Trata-se de amor ou ódio. Os dois partidos são visíveis e claramente antagônicos. Os defensores do RUIM-QUE-FAZ-GOL atribuem a ele a condição de jogador fundamental, cujos serviços são primordiais para que uma equipe obtenha sucesso. Afinal, ele é um mestre em realizar o summum bonum futebolístico. Seus detratores, por outro lado, afirmam que tal jogador é um peso morto, um fardo que o resto do time é obrigado a carregar; afirmam ainda que até mesmo as progenitoras dos nossos pais fariam aqueles gols de canela dentro da pequena área; afirmam, além disso, que esses jogadores são parasitas, sanguessugas que roubam toda a energia da equipe e a convertem em beneficio próprio, a fim de realizarem os tentos que irão promovê-los.
O problema, portanto, é posto em termos extremamente conflitantes. O que devemos fazer com os nossos Crespos, Inzaghis, Van Nistelrooys, Kloses e Palermos? Devemos alçá-los ao topo da teocracia futebolística, cobri-los de louros, pagar a eles os melhores salários e louvá-los como realizadores natos da obra suprema do deus Ludopédio? Ou devemos condená-los ao eterno ostracismo e deportá-los para as lúgubres relvas varzeanas e para as arenosas canchas dos ébrios embates dominicais entre casados e solteiros? Ou será possível encontrar uma terceira via moderada? O fato é que não podemos ser indiferentes a eles.
César Eduardo Zambon
3 comentários:
Tá aí o primeiro texto do César.
Achei ótimo.
Criativo, bem humorado e, riam, totalmente de acordo com as normas (muito) cultas da lingua portuguesa. Notem os verbos conjugados na segunda pessoa. É na segunda pessoa MESMO.
César, parabéns! Belo Texto!!!
Mto bom seu texto, César. Vcs já conhecem a minha opinião...
Essa espécie de jogador é parte da trinca fundamental de grossos que um time bem sucedido deve ter, juntamente com o Beque-de-fazenda (citado no texto) e o Volante-cabeça-de-bagre...
Não digo que é fundamental, mas de extrema eficiência..uns derrubam os atacantes, outros armam jogadas, outros driblam e eles fazem gol..
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